terça-feira, 4 de abril de 2017

Farinha

         A cozinha estava coberta de farinha. Cascas de ovos, respingos de massa e o cheiro de bolo assando. Sofia estava há horas cozinhando. Não fizera outra coisa hoje além de uma dúzia de massas de bolo e umas travessas de cobertura. Para quem comer, não fazia ideia. Apenas estava cansada de não fazer nada. Ao menos, nada que lhe interessasse. Bem, bolo era o que fazia de melhor.
        As crianças iriam da escola para a casa de um coleguinha, e Sofia teria a noite para ela. Deveria estar descansando, terminando seu livro, passeando com o cachorro ou jantando com o Marcos, professor de karatê dos meninos. Era bonito, solteiro.
        Deus, como faz falta um marido. Abandonara seu livro há semanas, a academia há meses e sua guitarra há anos. Estavam todos acumulando poeira, esperando os recibos das contas do mês e que as crianças estivessem saudáveis, alimentadas e com boas notas. Dois garotos, maravilhosos, mas que não paravam de se mexer por sequer um minuto.
        E hoje a noite era de folga. Para fazer qualquer coisa, menos abrir a segunda garrafa de vinho branco enquanto queimava o que devia ser o centésimo bolo de chocolate. Detestava bolo. Só o que queria era chamar as crianças de volta. Assim não ficaria sozinha naquele apartamento barulhento. Nem lembrava de ter colocado aquela playlist chata de pop italiano, que ficava abafada com o som da batedeira sempre ligada.
         Enfim, acabou a farinha. Os ovos, o açúcar. Pelo jeito do bairro inteiro. Melhor sentar para esperar as crianças. Voltam daqui a pouco, ou daqui a poucas horas. Amanhã é dia de colégio e Sofia tinha que trabalhar.

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