terça-feira, 23 de agosto de 2011

O Acidente

“Socorro, socorro!!” _ Gritava Joanne, amarrada com força a um tronco _ “Alguém me tire daqui, por favor.” Isso enquanto os meninos, montados em cavalos de pau e armados de espadas de plástico e estilingues, encenavam uma pesada batalho no quintal.
Leandro, o cowboy, treinava todas as suas artimanhas para manter consigo a mocinha raptada. Precisava acabar logo com o xerife para cuidar de sua morena donzela e mantê-la a salvo dos lobisomens que aparecem à noite. Mas o xerife jamais desistia.
A verdade é que os dois irmãos, Leandro e Luís, adoravam a garota da rua de baixo. Joanne era um pouco mais velha que os gêmeos e as crianças haviam crescido brincando juntas no terreno baldio ao lado de casa, quase sempre encenando guerras para ganhar o amor da menina.
O xerife, dessa vez, acertou um tiro certeiro no bandido. A pedra do estilingue de Luís foi direto para a testa do irmão, que gritou de dor. Em instantes o cabelo amarelo do garoto ficou ensopado de sangue.
“Você está bem¿¿ Quer que eu vá chamar sua mãe¿” Berrava Joanne, assustada, tentando se soltar das cordas. Antes que a guria pudesse fazer qualquer coisa, Leandro saltou de seu cavalo e partiu com o pau para cima do irmão.
Foi apenas uma pancada, na nuca, e o rosto de Luís, petrificado de susto, foi para o chão. “Seu idiota, o que está fazendo¿ Vai matar o seu irmão. Me solta daqui agora.” Joanne não conseguia parar de gritar. Leandro soltou seu cavalo e aproximou-se da menina. “Ele vai ficar bem. Agora você está comigo.“ Secou os verdes olhos repletos de lágrimas da menina. Roubou-lhe um beijo.
Soltou as cordas e pegou a guria pela mão, conduzindo-a devagar pela rua. Estava escurecendo, logo chegariam os lobisomens. Precisava deixar a moça em Joanne em casa fora de perigo. Ninguém a machucaria.
Logo Leandro ouviu o grito de sua mãe chamando o jantar. Correu sozinho para casa. Entrou sem limpar os pés. “O que aconteceu, filho¿ Você está ensopado de sangue! Onde está seu irmão¿” “Não foi nada, mãe, vai ficar tudo bem. Foi apenas um acidente!”



Esse é do Gabriel, o calouro que lê minhas histórias ^^

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Infância

"Filha, fecha logo essa janela que entra vento sujo de fora!" Berrava minha mãe, com pressa de quem não queria queimar o feijão. Eu fechava. Enchia a cuia e esperava o ronco do mate, então almoçava calada.
A parte gostosa do dia era ficar do lado de fora. Caminhando a tarde toda, fingindo personagens, olhando o céu e distraindo o velho do saco, de quem todas tinham medo. Teve um dia que o velho apareceu pelado.
Quando chegava em casa sempre era tarde. Foi tarde quando cheguei depois do pai. Foi tarde quando levei bronca, quando comi o jantar frio. Foi tarde quando entrei e a mãe estava morta no banheiro. E agora, meu Deus, quem vai me ensinar a temperar o feijão?

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Garota da rua de baixo

"Vê a guria que passa ali adiante? É a filha do Seu Elias, aquela que tava brincando na rua de baixo até há pouco tempo. Olha como ela cresceu. Parece até velha.
Usa belos vestidos e salto alto. Perdeu aquele andar apressado, de jovem com ânsia de conhecer a vida. Anda distraida que nem olha para os lados, já aprendeu a pensar na labuta para não sorrir sem motivos. Tem agora dinheiro no bolso.
A filha do seu Elias mudou. Compra até jornal. Tropeça nos pedintes. A moça tá ficando bonita. Misturou os olhos castanhos com tinta. Passou ferro nos cabelos. Fez surgirem infinitas curvas no corpo. Ela está mesmo uma delícia.
A filha do seu Elias chupou meu pau semana passada!"

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Poste da rua principal

Triste poste da rua principal
que tão sério assiste os carros
que parado atrapalha o trafego
e tão quieto escuta a orquestra
sem ritmo
que faz fundo ao centro da cidade grande.
Não se sente bem? Tem estado calado
Já se foi o sol
E você não acendeu
Está velho demais para brilhar
Tem a voz fraca demais para contar
as infinitas histórias que já viveu
das muitas vidas que por ti passaram
Houve um tempo, eu me lembro, caro poste
Em que você era um homem vivo
Se vestia bem, falava alto e iluminava as noites
com todo o brilho de um artista
fadado ao fracasso
Mas para quem a vida era pura poesia
Hoje não passa de um poste velho e quebrado
Invisível na rua principal
do centro de uma cidade
E já é quase o tempo em que mandarão te derrubar
Para em mais um tempo ser esquecido
E um dia, quem sabe, ser erguido de volta
E de uma vez iluminar a cidade
Mas, nesse instante, chove aí fora,
saudoso poste,
ninguém pode te ver chorar.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Recreio.

Sentado na arquibancada, Luís se distraia com o ritmo das crianças no parquinho. Com lápis de cera, o garoto desenhava o sorriso de Jeniffer, que se embalava com força fazendo cantarem as correntes do balanço. Era a garota mais linda da escola. Ao menos Luís tinha certeza disso. Apenas não contaria. Ela não saberia que Luís sentia por ela um amor, tão forte e eterno, que só poderia ser sentido por um garoto de sete anos. Jeniffer parou o balanço e se aproximou devagar. Por mais que tentasse, Luís não poderia desenhar o efeito que os vermelhos cachos de Jeniffer davam ao sol. Ela pediu para ver o desenho. Sorriu ao se reconhecer. Olhos brilharam ao notar que Luís enrubescia. Perguntou se podia ficar com o papel. Luís hesitou, era apenas um rabisco de lápis de cor. Mas não podia dizer não. Não conseguia, aliás, dizer nada.
Arrancou a página do caderno e olhou os dedos da menina. Deus, como gostaria de tocar aquela mão. Entregou devagar o papel. Será que ela nunca saberia o quanto Luís pensava nela?
O sinal tocou, anunciando o fim do recreio. Jeniffer correu para alcançar os colegas. Sorrindo, sempre sorrindo. Luís andou devagar para a sala, sem muita vontade de estudar. Apenas ficou imaginando como teria sido tocar a mão daquela menina.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Ave presa!

Como, exatamente, não sabia, mas Lili desenvolvera o ofício de não se importar.Tanto fazia o quanto ouvisse que não era boa o bastante, que aquilo não levaria a nada ou que não há espaço para artistas em nosso país. Chegou um ponto, na verdade, em que nem ouvia mais. Apenas via. Via e, o que sentia, desenhava. E com muito talento.
Lili, ao menos, era apaixonada por cada cor que colocava em seus papéis. Todos os seus cadernos, livros, roupas eram coloridos a seu modo. Ela tinha consciência de que ninguém mais tinha a mesma sensibilidade de entender o mundo. O mundo, aliás, era maravilhoso. Sublime, por bem dizer - descrevê-lo seria impossível, mas ela podia representá-lo. Como na lenda de Picasso e a mulher verde, que ouvira da professora de artes que tinha um olho de cada cor.Desenhou, então, seu mundo nas paredes de seu quarto.
O quarto deixou de ter paredes, porém, tornou-se pequeno demais para caber o mundo. Teve que ultrapassar a janela e ir para as ruas. A cidade precisava, mesmo, de algumas cores a mais. Alguém precisava colorí-la. Lili resolveu assinar um pouco de si em todas as ruas.
Nem todas as pessoas das ruas, porém, gostavam tanto de arte. Lili com suas cores começou a incomodar alguns transeuntes. Ela, é claro, não ligou para isso. As autoridades sim. Resolveram fazer com que ela parasse.
Pq iria parar de pintar se agora tinha público como nunca? Era livre, afinal. Deixava a cidade do jeito que queria apenas em troca de alguns aplausos.
Cercada, um dia, por homens fardados, sentiu sua glória. Viu-se seguida, agarrada, abusada. Diziam que era louca. Eles a amavam. Ao menos precisavam dela. Tentaram levá-la embora, Lili não quis. Pediram por favor. "Uma sessão de autógrafos", diziam. "Vamos, garota, todos irão lhe conhecer". Lili foi.
Para os homens, contou sua história. Não o passado, mas o futuro, a forma como iria deixar o mundo mais maravilhoso, como iria enchê-lo de cores. Os homens acreditavam. Queriam, contudo, de todo modo guardar Lili para si. A moça, que amava sua liberdade, quis correr. Homens, porém, correm mais.Levaram-na para um quarto, fecharam as quatro paredes. Disseram que estava presa. Junto a estranhos, sem saber onde estava, mas, presa. Por crime algum.
Eles não conheciam Lili. Podiam colocar quantos tijolos e quantas grades quisessem. Enquanto houvesse público e cores, Lili fazia do mundo o que bem entendesse. Para ela, não existiam paredes!

sábado, 29 de janeiro de 2011

Escola

Na hora do intervalo as crianças brincam no parquinho do colégio. Jake assiste a tudo, sentado no bando em frente a sua sala. Ele já percebeu que não é como os outros. Por mais que a tia Tânia diga que ele é como os outros, acha que a professora não entende de nada.
Jake é diferente. Escolheu seu próprio nome, seus brinquedos, sua forma de agir... Mesmo muito jovem sentiu que o mundo não é como os outros esperam. Em sua ficha nunca veio escrito que era uma criança simpática, inteligente ou adorável. Pelo contrário, aprender a ler parecera um desafio muito maior do que para as outras crianças. As letras pareciam se embaralhar e as frases nunca faziam sentido, por mais atenção que prestasse. Sobre as contas, nem se falava. Como os outros colegas entendiam tão fácil a tabuada? A Gisele parecia ter nascido sabendo de cor a cartilha. Nada para ela era difícil.
Jake, no entanto, não suportava a escola. Nada era fácil para ele. Nem ir à escola, nem o recreio(as outras crianças sabiam irritar) e muito menos chegar em casa. Garoto algum merece um pai viciado, seja no que for. Meninos não deviam apanhar dos pais. Mas era assim que o tratavam.
Se ia ser fraco como seu pai, ele não tinha idéia. Apenas cansara de ir à escola e e assistir sempre às mesmas aulas. Garotos não sabiam o quanto doía seu riso, mas sempre sabiam o que a tia Tânia queria que respondessem. Jake mal sabia escrever seu próprio nome, talvez por isso escolhera outro. O prédio da escola era todo pixado por crianças rebeldes, as mesmas que não deixaram Jake entrar no parquinho.
Dessa vez Jake estava realmente cansado. Viu que em sua bolsa tinha espaço para um canivete a mais, ou o que quisesse levar. Ir para a escola armado fazia com que não sentisse medo dos outros colegas. Quando não soube responder a questão na aula de geografia apenas calou a boca. O riso dos seus colegas, porém, era extremamente irritante.
Sem aguentar as cócegas nos dedos, puxou o canivete da mochila. Será que os garotos já haviam rido o bastante? Maicon não parava, ninguem havia visto o canivete.. o riso de Maicon era o que mais doía.Mas Maicon realmente deveria morrer? Apenas por que Jake era um fracassado? Seus colegas podiam mesmo rir.. passou o dedo na ponta do canivete e viu o sangue.. sim, era afiado. Mas seus colegas apenas tinham agido como crianças que, afinal, eram. Não mereciam morrer por isso. Quem sabe algum outro dia. Dessa vez o melhor era realmente esperar a hora do recreio..
Deus, como a escola é um tédio..