segunda-feira, 20 de março de 2017

Rock And Roll Lullaby

            Eu adorava a noite. Era conhecida em muitos bares, em muitas ruas. Usava vestidos decotados, batom e cabelo solto. Costumava ser cantora. Não havia muito dinheiro ou maquiagem, mas eu tinha fãs. Homens, em sua maioria.
            Muitas vezes eu ganhava algumas bebidas. Cantava enquanto houvesse garganta, enquanto fosse noite. De manhã, então, ia embora dormir. Muitas vezes sozinha.
            Creio que esse seja o resumo da minha vida durante muitos anos. Eu nunca fui uma pessoa, era apenas um eu-lírico. Acordava a tempo de me preparar para a noite, e vivia apenas ela. E como eu amava esse show de maquiagem barata, unhas mal feitas, whisky falso e um pouco de pó ou jazz.
            Uma manhã cheguei em casa e ele estava lá. Sabe Deus de onde, aquela criança imunda estava lá. Não sei de onde surgiu, como veio parar em mim. Comigo. Sei que um dia apareceu e eu não podia fazer mais nada. Veio apenas roubar o glamour da minha vida, veio destruir minha personagem. Me tomar tempo.
            Não gostava da minha voz ou do meu rock. Não tomava minha cerveja ou meus sanduiches de enlatado. Não tinha cheiro de talco ou pele rosada. Não era parte de mim, nem de ninguém.
            Eu juro que tentei. Acho que nem todas as mulheres podem ser uma mãe. É preciso ser mais humana para se tornar uma. Penso que eu não era o bastante. Tive que mandar o guri embora para poder cantar. Nem sei mais por onde anda.
            Como sinto falta do seu choro. Quase fazia um dueto comigo, ás seis da madrugada. Dos cabelos escuros e pele branquinha. Daquele cheirinho de criança que só ele tinha. O menino que mandei embora seria o único homem a me amar. Sorte minha que não sou mesmo uma pessoa.
             Voltei a ser uma cantora. Canto durante a noite, de manhã vou embora dormir. Muitas vezes sozinha.

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