quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Ave presa!

Como, exatamente, não sabia, mas Lili desenvolvera o ofício de não se importar.Tanto fazia o quanto ouvisse que não era boa o bastante, que aquilo não levaria a nada ou que não há espaço para artistas em nosso país. Chegou um ponto, na verdade, em que nem ouvia mais. Apenas via. Via e, o que sentia, desenhava. E com muito talento.
Lili, ao menos, era apaixonada por cada cor que colocava em seus papéis. Todos os seus cadernos, livros, roupas eram coloridos a seu modo. Ela tinha consciência de que ninguém mais tinha a mesma sensibilidade de entender o mundo. O mundo, aliás, era maravilhoso. Sublime, por bem dizer - descrevê-lo seria impossível, mas ela podia representá-lo. Como na lenda de Picasso e a mulher verde, que ouvira da professora de artes que tinha um olho de cada cor.Desenhou, então, seu mundo nas paredes de seu quarto.
O quarto deixou de ter paredes, porém, tornou-se pequeno demais para caber o mundo. Teve que ultrapassar a janela e ir para as ruas. A cidade precisava, mesmo, de algumas cores a mais. Alguém precisava colorí-la. Lili resolveu assinar um pouco de si em todas as ruas.
Nem todas as pessoas das ruas, porém, gostavam tanto de arte. Lili com suas cores começou a incomodar alguns transeuntes. Ela, é claro, não ligou para isso. As autoridades sim. Resolveram fazer com que ela parasse.
Pq iria parar de pintar se agora tinha público como nunca? Era livre, afinal. Deixava a cidade do jeito que queria apenas em troca de alguns aplausos.
Cercada, um dia, por homens fardados, sentiu sua glória. Viu-se seguida, agarrada, abusada. Diziam que era louca. Eles a amavam. Ao menos precisavam dela. Tentaram levá-la embora, Lili não quis. Pediram por favor. "Uma sessão de autógrafos", diziam. "Vamos, garota, todos irão lhe conhecer". Lili foi.
Para os homens, contou sua história. Não o passado, mas o futuro, a forma como iria deixar o mundo mais maravilhoso, como iria enchê-lo de cores. Os homens acreditavam. Queriam, contudo, de todo modo guardar Lili para si. A moça, que amava sua liberdade, quis correr. Homens, porém, correm mais.Levaram-na para um quarto, fecharam as quatro paredes. Disseram que estava presa. Junto a estranhos, sem saber onde estava, mas, presa. Por crime algum.
Eles não conheciam Lili. Podiam colocar quantos tijolos e quantas grades quisessem. Enquanto houvesse público e cores, Lili fazia do mundo o que bem entendesse. Para ela, não existiam paredes!