terça-feira, 4 de abril de 2017

Aquário

        Que tédio! Lure estava cansado de viver naquele lugar apertado. Era um peixe. Vermelho, nascido em uma floricultura. Muito apropriado, provavelmente. Vivia em um aquário barato com bolhas e plantas falsas. As pessoas passavam assistindo sua rotina, como se estivessem interessadas. Nadava de um lado para outro, vivendo de bolinhas de ração insípidas e cagava em sua sala de estar.
        Não tinha certeza de onde deveria estar. Sonhava às vezes com outra vida, livre como os outros seres. Como as pessoas que moravam na casa. Entravam e saíam de cena, carregavam pertences caminhavam para onde bem entendessem, mudavam os móveis de lugar e comiam comida de verdade. Como invejava essas outras espécies. Assistia da grande tela de seu aquário.
       Ouvia as conversas dos homens. Certa vez, um deles parecia estar chorando. Era jovem, um garoto. Desesperado por não saber o que queria fazer com sua vida. Outro homem lhe disse que poderia fazer o que quisesse, que era livre. Oras, claro que era. Tinha pernas, poderia andar para qualquer lugar, viver qualquer tipo de vida, sem ter que assistir o mundo por uma tela de vidro.
        Lure decidiu ser livre também. Se não aguentava mais viver daquela maneira, poderia escolher fugir disso. Ao menos tinha uma escolha. Pensou que não saberia andar, mas ao menos poderia sair daquela água. Qualquer lugar poderia ser menos entediante. Assim, num impulso louco ou heróico, nadou para cima com todas as forças e conseguiu saltar para fora do aquário.
        Sentiu um baque fortíssimo ao cair no chão. Era seco, empoeirado. Começou a se debater, não podia ir a lugar algum. Não podia respirar. Pensou se estaria menos livre do que antes, entrou em pânico e, por fim, aceitou a morte. Foda-se, pelo menos saio daquele maldito aquário. Mesmo não tendo para onde ir. Pensou que morreria como um inválido, consequência da única escolha que tomara em sua vida. Estava feliz. Sem respirar, quase sem consciência, mas feliz.
       O mesmo homem passou pela sala e viu Lure no chão, deitado. Simplesmente se abaixou, o agarrou pela cauda e jogou novamente para dentro do aquário.

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