segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Prece

Roubaram minha bicicleta. Olha senhor, levaram tudo. Minhas bermudas, o rádio, as crianças e a bicicleta. Eu tive vida. Um dia. Família é que sempre foi a desgraça. Lá em casa de pai já era uma bosta. Apanhei pra caralho. Por todos os pecados meus e de São Jorge. Saí do pai, caí num macho. Genésio. Homem sim é uma merda quando a gente se enrosca. Vem filho atrás de filho. Daí quero ver quem segura em casa. Fugiram. Escaparam todos. Foi o Genésio. Foram as crianças. Escaparam todos. Sobrou nem o cachorro. Baco. Filho também, né. A gente limpa, olha, dá comida. Teve um até que gostava de bolo. Jorginho. Eu fazia. Depois vai embora que nem lembra de quem o pôs no mundo. Deve estar com qualquer moça por aí. Não sou doida não, senhor. Eu lembro da vida toda. Me tiraram tudo. No fim é só a gente mesmo né, aqui no meio da rua. Nessas horas nem Deus tá por perto. Nem Deus nem o Presidente pra me dar comida. Olha moço, levaram minha bicicleta.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

As Putas!


   Por que as pessoas odeiam tanto as putas? Elizabeth não conseguia entender. Fugira jovem de sua família, ou fosse o que fosse. Pai nunca havia tido mesmo. Avós e irmãos, sequer sabia o nome. A mãe só fazia beber. Bebia e batia. Parecia esporte. Era doente, a velha. Jovem, na verdade. Cheia de rugas de cansaço, de quem acalmava a garganta na cachaça quando queria descansar da tosse. Quando estava mais forte, lembrava-se das filhas que tinham roubado sua liberdade de moça e batia na que estivesse mais perto. Elizabeth odiava ter nascido naquele buraco e saiu sozinha aos 13. Na rua, era dos homens que apanhava. Mas precisava comer. Comer, beber, dormir, vestir-se, calçar-se e ir a festas. Homens adoram meninas, dão de tudo. Até mesmo dinheiro. Elizabeth sabia que era puta, decerto agora merecia apanhar. Era o que dizia o padre. Agora gostava de apanhar. Gritava, com todas as forças. Pedia que batessem mais forte. Assim, gozava. Provavelmente as coisas não funcionam assim, mas Elizabeth amava esses homens. Os velhos casados, nojentos e fétidos que a encontravam nas esquinas. Rasgavam suas roupas, lambuzavam-se à gosto e deixavam uns trocados. A garota amava cada um deles, sem precisar saber seus nomes. Cada um era como sua mãe. Sentiam-se fortes machucando a puta que os amava ali em frente. Elizabeth sentia saudades de casa.

domingo, 12 de agosto de 2012

Marido

Chegou tarde em casa
Passou pelo portão
pela criança
pela mulher
afagou o cachorro
cumprimentou a moça do jornal

Fedia suor,
bafo,
tabaco,
cachaça
Reclamou a comida fria
a cerveja quente
a criança suja
a mulher de cara lavada
molhada ela
ele cansado

Desligou a telenovela
Jogou a criança no quarto
'noite
Pegou a mulher pelo braço
gorda
Jogou  na cama
vadia
Foi para cima dela
nojenta

Todo macho bate na patroa
mulher que não vale nada
na boca da mãe do seu filho ele não goza
goza na cara
bate na cara
pisa na cara
Vira pro lado e dorme
Boa noite mulher
Pai nosso, amem!!

Frio

Por algum tempo vivi em um congelador. isso já há alguns anos, ou coisa parecida. Uma dessas loucuras que jovens fazem. Enfiei-me em uma caixa gelada e por lá fiquei. Não queria ver nada do mundo, ouvir ou dele fazer parte. Achei, por alguns momentos, que estivesse morto. Não sentia, afinal, nada além de frio. Habituei-me. Penso que até minha mente estivesse congelada. Ainda hoje não posso me acostumar ao caos do mundo vivo. Agora me movo, é claro. Vivo entre humanos. Já nem sou o jovem que fui, de dedos azuis e cabelos duros de gelo. Chego a conversar com outros homens, mas, a ideia de dizer algo ainda me parece maluca. Sequer tentam entender o que eu quero dizer. As vezes é melhor permanecer calado. Mal vejo a hora de voltar ao gelo!