sábado, 28 de novembro de 2015

Fones nos Ouvidos

Na cabeça de Anna Clara, os sons se misturavam. Era como se pensasse em vários idiomas. Ás vezes, nem ela sabia traduzir seus pensamentos. Andava, então. Se pegava passeando pela rua, de repente. Notando os sapatos das pessoas, imaginava seus armários. Vendo os gravetos, sonhava ser um pássaro. Ouvindo as buzinas, pensava nas tantas mortes sobre o asfalto.
Hoje o dia foi fácil. Nessas horas, bastava um par de fones nos ouvidos para ensurdecer. Com a música, percebia que estava acordada. Com sorte, amanhã o dia também será facil.

Gatos e Tapetes

Dona Augusta vivia sozinha. Dera um tempo da vida, matar o cansaço. Ninguém a conhecia. É claro, sabiam seu nome, endereço e signo do zodíaco. Cidade pequena deixa pouco espaço para segredo. A cidade falava, aliás, muitas coisas. Que D. Augusta abandonara seus filhos, que havia fugido da Espanha e até que vivia com o corpo embalsamado do marido. No armário. Ouvia-se dizer até que D. Augusta já havia amado. De verdade, algo além de seus gatos e crochês, mas que terminaria a vida à própria sorte. Perdeu tudo em alguma guerra ou briga de bar _ pouco se sabia dos detalhes. E muitas são razões para ela ter desistido. Ninguém acreditava, porém, que ela estava bem. Que a essa altura, seus gatos e tapetes já importavam mais do que o resto. Ou, ao menos, ninguém precisaria saber mais do que isso sobre Dona Augusta.